sexta-feira, 13 de março de 2009

Aborto e excomunhão

Folha de S. Paulo, sábado, 7 de março de 2009

Editoriais


Causa espanto a iniciativa do arcebispo de Recife e Olinda, dom José Cardoso Sobrinho, de excomungar a equipe médica e a mãe da menina de nove anos submetida a aborto para interromper gravidez. Em depoimento à polícia, o padrasto disse que abusava sexualmente da garota, que mora em Alagoinha (PE).

Mais grave que o estupro, afirmou ontem o prelado, é o “aborto, eliminar uma vida inocente”. Deve ser por causa dessa assombrosa linha de raciocínio que o estuprador não foi excomungado. A sanção religiosa foi dirigida apenas aos médicos, que realizaram um procedimento dentro da lei e atenuaram o sofrimento de uma criança, vítima de ignominiosa violência.

Não cabe a ninguém de fora da igreja questionar seus dogmas. O que causa espécie é a contundência da condenação anunciada por dom José, que parece mais proporcional à notoriedade do caso do que ao zelo com a doutrina.

O procedimento realizado em Pernambuco satisfaz a condição legal. Duplamente, até, pois os médicos avaliam que o parto na menina franzina traria risco à sua vida. A equipe médica cumpriu com sua obrigação profissional e ética, amparada ainda em norma técnica do Ministério da Saúde que deixou de exigir registro de ocorrência policial como condição para fazer o aborto.

Por meio de pressões abusivas desse tipo, grupos religiosos conseguem dificultar, e até bloquear, ações de saúde pública. Que a punição extrema à equipe médica pernambucana não desestimule a adoção de providência médica amparada em lei, no caso de pessoas submetidas a drama semelhante.

Nenhum comentário: