segunda-feira, 28 de julho de 2008

‘A inquisição não representa a realidade atual’, diz secretário da Congregação para a Doutrina da Fé

UOL, El País, 23 de julho de 2008

Juan G. Bedoya; tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
O jesuíta Luis Francisco Ladaria Ferrer será dentro de alguns dias o espanhol mais graduado na Cúria do Vaticano, depois da aposentadoria dos cardeais Martínez Somalo e Julián Herranz. Não aparenta. Ele mesmo atende ao telefone em seu escritório na Universidade Gregoriana de Roma.
De cara, protesta: “Olhe, combinamos que não haveria entrevista”, ele mesmo se interrompe. Ri, ri sempre, como se fosse a melhor maneira de aliviar seu novo cargo, o número 2 da Congregação para a Doutrina da Fé.
O que acha das palavras “Inquisição”, “Santo Ofício” ou mesmo “herege”? Ele responde sério, entre risos: “Você me fala de situações e elementos do passado. Nosso trabalho consiste em promover a justa fé da Igreja. O Santo Ofício ou a Inquisição não representam a realidade atual. Quando me perguntam sobre o dogma, respondo que a misericórdia de Deus, como lembra Dante, tem os braços muito grandes. Esta é a chave: bondade e misericórdia”.
Sobre a competência teológica de Ladaria, registrada em cerca de 20 livros, há uma unanimidade assombrosa. Apesar de tudo, alguns teólogos espanhóis, incentivados por bispos mais papistas que o papa, pensaram há anos que Ladaria roçava a heresia em algumas questões doutrinárias fundamentais. “Acreditamos que a explicação do professor Ladaria não consegue estar conforme, por mais que tente, com a doutrina da Igreja”, escreveu em 1995 o teólogo José María Iraburu a propósito do livro de Ladaria Teologia do Pecado Original e da Graça.
Segundo os caçadores de hereges na Espanha, o pecado original é “transmitido a todos por propagação, e não por imitação”. “Essa é a doutrina considerada de fé. Pelo contrário, o professor Ladaria, jesuíta, estima que não devemos afirmar que a geração seja formalmente a causa da transmissão do pecado original. A transmissão desse pecado de origem ele a entende não em clave ontológica, mas histórica.”
Essas críticas foram citadas nos últimos dias em diversos fóruns. Ladaria não se dá por vencido. Tampouco se considera vigiado. “Ninguém nunca me olhou com o olho esquerdo, como você diz.”
Ele ri com vontade. “Foi um episódio que passou. Ninguém me disse nada, nem aqui nem na Espanha, do ponto de vista oficial. Houve um pouco de rebuliço, mas nunca me senti visado.”
As teses de Ladaria sobre o pecado original corrigiam efetivamente a teoria clássica do grande santo Agostinho, muito dado ao sensacionalismo. Mas finalmente se impuseram em Roma, como na recente correção da idéia do limbo como o lugar onde iam parar os que morriam sem ter o uso da razão e sem ter sido batizados; isto é, um lugar sem tormento nem glória, mas para toda a eternidade. Os amigos de Ladaria crêem que sua competência teológica também nesta matéria é a razão pela qual o papa Ratzinger o quer ao seu lado como policial da doutrina.
Entre os teólogos contemporâneos admirados por Luis Ladaria — ele cita Yves Congar, Henri de Lubac, Karl Rahner e Hans Urs von Balthasar, nada menos —, alguns foram especialmente incomodados pelo Santo Ofício.

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