sexta-feira, 12 de junho de 2009

A cabala da capela

O Globo, Boa Viagem, quinta-feira, 11 de junho de 2009

Renato Grandelle

O que o serviço secreto da Casa Branca, a diretoria do Wall Street Journal e embaixadores americanos na Europa têm em comum? Todos foram ciceroneados pelo complexo de Museus do Vaticano pelo guia Roy Doliner, um especialista em história romana e estudos judaicos. Estas áreas de saber casam-se no tour promovido pelo pesquisador. E a lua de mel fica por conta da Capela Sistina.

O quartel-general do catolicismo é repleto de profetas judeus e mensagens da Cabala. Goste-se ou não da tese de Doliner, o bafafá que provocou é uma boa oportunidade para revisitar um dos mais importantes símbolos da Igreja.

Não que a missão seja das mais fáceis. Quem já entortou o pescoço para ver os afrescos de Michelangelo sabe que o passeio pode ser uma furada. Afinal, fica difícil admirar a pintura com o vaivém de turistas e a pressa dos guias.

Para dar o encanto merecido à visita, perguntamos a Doliner quando ir, o que levar e onde é melhor observar a obra renascentista. Antes de nos atermos a Michelangelo, vale a pena passar os olhos no currículo do entrevistado. Doliner é um dos pouquíssimos que pode se orgulhar por já ter ido à Sistina fora do horário de visitação. Várias vezes. E suas caminhadas pelo santuário renderam o livro Os segredos da Capela Sistina (Objetiva, R$ 59,90), escrito em parceria com o rabino Benjamin Blech e lançado aqui mês passado.

Decididamente, a Capela Sistina não foi feita para ser pisada por tanta gente ao mesmo tempo. Aliás, essa é a próxima dica de Doliner: ao entrar, vire também o pescoço para baixo. Poucas pessoas, diz ele, percebem o piso repleto de desenhos que lembram estrelas de Davi, símbolo do judaísmo. No século XV, quando ganhou o chão da capela, o grafismo não tinha a mesma representatividade de hoje, mas já era envolto em conhecimentos místicos — e, portanto, condenado pelos papas da época, afirma o autor. Nada, porém, que impedisse os artistas de escondê-lo em suas obras, segundo Doliner. Rafael colocou uma das estrelas em A escola de Atenas, um de seus trabalhos mais famosos — hoje exposto numa das galerias que levam à Sistina.

O piso, ressalte-se, não é de Michelangelo. O florentino fez troça maior com seus mecenas já a partir do umbral da capela. Lá retratou o Papa Júlio II, que encomendou boa parte dos afrescos. E atrás dele, pintou dois pequenos anjos, um deles mostrando o dedo para a Vossa Santidade — que, diga-se de passagem, de bondoso tinha pouca coisa.

No teto, Doliner enxerga traços de rebeldia em todos os lados. Os inimigos de Michelangelo padecem no inferno do “Juízo final”. Os personagens do Novo Testamento não dão as caras — em seu lugar estão profetas e sibilas judaicos.

— Há bancos disponíveis na lateral da capela, onde qualquer um pode sentar com binóculos e fazer sua própria caça aos tesouros — ressalta Doliner. — Leve uma cópia do livro com os segredos que você quer encontrar já marcados.

Resumindo as lições do escritor: a Sistina é melhor à tarde, na baixa temporada, longe de grandes grupos e com uma pesquisa prévia já pronta. Ande pelos cantos, leve binóculo, não se atenha ao teto. Fuja de quem tem pressa. Seguindo estas dicas, a visita à capela pode ser uma experiência etérea como aquela que teve o próprio Doliner, em suas explorações noturnas dos afrescos de Michelangelo:

— Estar na Sistina quando ela está fechada ao público o faz lembrar que aquilo é, de fato, um santuário. Não importa a sua religião, quando você entra e não precisa enfrentar o barulho ou a multidão, percebe a intenção de seus criadores de buscar uma conexão com o divino.

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